Triagem neonatal: o que os pediatras deveriam saber
Letícia Lima Leão
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572008000500012&lng=pt&nrm=iso
“A triagem neonatal foi proposta pelo Dr. Robert Guthrie em 19631. O método proposto, e depois amplamente utilizado em todo o mundo, foi um ensaio de inibição bacteriana realizado em amostras de sangue seco, colhidas em papel–filtro, para detecção das concentrações de fenilalanina.”
“Posteriormente, várias outras doenças metabólicas, endócrinas, hematológicas e infecciosas foram acrescentadas ao painel de triagem. As doenças mais triadas em todo o mundo são: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, anemia falciforme e outras adrenal congênita, doença do xarope de bordo, deficiência de desidrogenase acil–coenzima A de cadeia média (MCAD) e tirosinemia”
“Triagem significa separação, escolha. Os testes de triagem neonatal não são diagnósticos. Eles separam a população de recém–nascidos em dois grupos: um constituído por aqueles que podem ter uma doença, outro por aqueles que não devem tê–la”
“A triagem neonatal nem sempre consegue seguir todos esses critérios, uma vez que o grupo de doenças é muito heterogêneo e estudos controlados randomizados são difíceis de executar, por serem algumas delas muito raras”
“A triagem neonatal não é a simples realização de testes para identificar concentrações de substâncias no sangue. É mais, também, que um sistema público que assegure que cada resultado esteja ligado a um determinado recém–nascido, o qual, subseqüentemente, receberá um teste diagnóstico e, se indicado, será encaminhado para o tratamento adequado.”
“O pediatra deve estar atento aos fatores que podem influenciar os resultados, como idade inadequada para coleta (recomenda–se entre 3 e 7 dias de vida no Brasil), prematuridade, dieta, transfusões e nutrição parenteral total”
“Também é necessário estar atento para a comunicação dos resultados negativos. Não se deve adotar a política de que a ausência de notícia significa boa notícia20. A realização da triagem cria expectativa na família e ela tem o direito de saber o resultado o mais rapidamente possível.”
“Estas características demonstram que a triagem neonatal é mais do que realizar testes laboratoriais. É um sistema complexo, e para o seu êxito é imprescindível a participação do sistema de saúde.”
“A triagem neonatal apresenta benefícios e riscos. Entre os benefícios está a detecção de doenças graves e tratáveis antes do aparecimento dos sintomas, prevenindo problemas como retardo mental, ou mesmo o óbito. Outro benefício é a identificação dos portadores de algumas doenças, possibilitando o aconselhamento genético e a reprodução consciente.”
“Da mesma forma que outros programas de triagem neonatal, a triagem expandida usando MS/MS não foi estabelecida a partir de estudos controlados que documentassem sua eficácia, mas em função de que a evolução das doenças metabólicas, sem diagnóstico precoce, é uniformemente ruim. Além disso, a tecnologia tornou–se disponível e economicamente viável, facilitando sua aplicação”
Na Europa, essa implantação vem sendo mais lenta. Em janeiro de 2007, sete países tinham expandido a sua triagem, sendo que a maioria deles a iniciou após 2004. Em alguns destes países, a triagem por MS/MS não abrangia todo o território. O número de doenças triadas por MS/MS era bem menor e variava de duas (fenilcetonúria e MCAD), na Grã–Bretanha e Suíça, até 20, na Áustria40. Essas diferenças em relação aos EUA devem–se a diferentes estimativas de riscos e benefícios.”
“Na Grã–Bretanha, foram criados dois grupos de avaliação tecnológica que chegaram a conclusões díspares: um grupo encontrou fortes razões para introduzir a triagem por MS/MS para um grande número de doenças, enquanto projeto piloto”
“As primeiras experiências de triagem neonatal começaram no Brasil na década de 1960, tendo sido o pediatra Prof. Benjamim Schmidt o seu introdutor44. A Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo, sob sua direção, iniciou a triagem neonatal para fenilcetonúria em 1976 e, em 1980, foi adicionada a triagem para o hipotireoidismo congênito”
“Em maio de 2006, todos os estados brasileiros já haviam implantado a triagem neonatal para fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, todos funcionando de acordo com os protocolos do PNTN. Dez estados estavam na fase II e três na fase III. A cobertura para hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria era de aproximadamente 80%, o que corresponde a 2.497.291 recém–nascidos/ano44. No entanto, alguns estados já tinham cobertura acima de 95% para as quatro doenças”
“No Paraná, já está sendo oferecida a triagem para a deficiência de biotinidase dentro do Programa de Triagem Neonatal vinculado ao PNTN e, em Minas Gerais, no Programa Estadual de Triagem Neonatal está em andamento um projeto piloto com esta doença (experiência pessoal).”
“O debate sobre a triagem neonatal, especialmente sobre a triagem ampliada por MS/MS, envolve diversos aspectos éticos que necessitam ser do conhecimento do pediatra.”
“Em seu início, a triagem neonatal, pelos benefícios propiciados aos recém–nascidos afetados, era compulsória. Atualmente, evoluiu–se para reconhecer o direito dos pais a recusá–la totalmente ou para alguma doença específica. Motivos culturais e religiosos justificariam essa decisão. Assim, é reconhecida a necessidade de os pais serem informados previamente à coleta e serem explicados sobre seus benefícios e riscos, sendo preconizada a utilização do termo de consentimento livre e esclarecido”
“Argumenta–se, em favor da triagem ampliada, o baixo custo da adição de um número significativo de doenças”
“A triagem neonatal é o maior programa de saúde pública ligado à genética em todo o mundo. Trata–se de um sistema de cinco etapas, geralmente conduzido pelo sistema público de saúde. Embora o pediatra ocupe um lugar proeminente, o seu conhecimento das doenças triadas, do tratamento e do prognóstico é pequeno.”